Não é fácil para José Leôncio (Renato Góes) seguir em frente após o desaparecimento de seu pai, Joventino (Irandhir Santos). Durante meses o peão roda rios, florestas, pastos e baías à procura de qualquer vestígio que indique seu paradeiro. A busca segue sem sucesso. Neste período, é a presença dos companheiros Quim (Chico Teixeira) e Tião (Fábio Neppo) que lhe dá esteio. Sem contar com a chegada de uma velha amiga, Filó (Letícia Salles). Uma morena de currutela, ou prostituta, com quem Zé se relacionou no passado e que chega grávida em sua fazenda pedindo abrigo e trabalho. Ao nascer Tadeu (Lucas Oliveira dos Santos), Filó pede que Zé o batize e logo o menino cresce e passa a chamá-lo de padrinho para cima e para baixo, buscando preencher o vazio no peito de Zé após o sumiço de Joventino.
Anos antes, quando os Leôncio chegaram ao Pantanal e Joventino quer domar os bois no feitiço, aposentando o laço, quase todos os peões que os acompanhavam há muito tempo pelas tantas comitivas país adentro, os abandonam, pois não acreditam que eles podem ter sucesso naquela empreitada.
Pois tem. E quem fica para ver consegue desfrutar da abonança. Basicamente, Quim e Tião, esses dois peões atrapalhados, mas fiéis e leais à família que garante a eles morada e uma vida digna por tanto tempo. Quim não consegue se furtar de pontuar os seus comentários quase sempre impertinentes. Tem a língua maior que a boca e o olho maior do que a barriga, e por isso é constantemente reprimido por todos ao seu redor, inclusive e principalmente por Tião, seu amigo inseparável. Tião, por sua vez, é filho da liberdade como todo peão. Por isso se adaptou tão bem à vida pantaneira, de lonjuras sem fim e horizontes distantes, onde tudo é possível e nada é necessário. Dono de um humor peculiar, Tião é para os patrões muito mais do que um mero criado. Como todos os que seguem a toada do velho Joventino – e, em seguida, a de José Leôncio –, Tião é um homem de confiança. Preza por isso, bem como pela imprevisibilidade da vida de peão; de partir em comitiva, de sair em bagualhadas e viver entre as modas cantadas e os casos contados. Tião e Quim se tornam mais que bons amigos, se tornam irmãos, e têm, um com o outro, a liberdade de sentir o que sentem e dizer o que pensam. E por isso, porque são tão puros, brindam a todos, seja quem seja, com as suas pérolas.
Quando Filó se une aos três na fazenda, fortalece ainda mais o ciclo de proteção e afeto de José Leôncio. Ela é muito mais que uma empregada. Filó é a alma e o coração daquela casa. Uma mulher religiosa, apegada à sua fé. Após ser expulsa de casa pela mãe aos 12 anos, encontra abrigo em uma currutela, local onde conhece José Leôncio meses antes de procurar por ele na fazenda. Recebe dele emprego, carinho, abrigo e, acima de tudo, proteção. Vira fera para proteger seu Zé contra tudo e contra todos, disposta a trair até mesmo os seus sentimentos pelo bem do patrão.
Com tanto amor ao seu redor, de Quim, Tião, Filó e Tadeu, pode-se dizer que José Leôncio é um homem de sorte. Mas nem sempre ele se sente assim. Após o desaparecimento de Joventino, Zé carrega essa dor em ferida aberta a vida inteira e tem dificuldade em reconhecer a riqueza que tem em sua volta.
Entrevista com Renato Góes
Você já conhecia o Pantanal? Poderia nos contar sobre essa viagem? O que mais te chamou atenção até aqui?
Um mês antes de começarem as gravações, fui passar 15 dias no Pantanal, liguei para alguns amigos e expliquei que eu gostaria de conhecer a região, fui com eles, passamos juntos essas duas semanas. Dentro desse período, fui para a casa do Almir (Sater) passar três dias e o restante foi nas redondezas de Aquidauana, no Bosque Belo, a meia hora de Aquidauana. Foi um impacto muito grande. É uma quantidade de bichos… Eu queria perder isso, queria que meu personagem não tivesse um deslumbramento de quem está vendo isso tudo pela primeira vez. Meu personagem está acostumado com biomas diferentes. Eu precisava quebrar isso. Esses 15 dias foram fundamentais. Desde o dia que cheguei, procurei ver como era o dia a dia dos peões, a lida, o manejo. Eu tenho alguma conexão com isso por ter frequentado muito o agreste pernambucano. Entendia a lida, gostava disso, mas cada lugar é um lugar. O Pantanal tem suas peculiaridades, principalmente as nomenclaturas das coisas, a guaiaca, o alforde, a bainha, tudo que você usa que é legal você tratar com respeito e falar os nomes certos, para ter essa identificação. As pessoas locais que estiverem vendo vão saber que fizemos o dever de casa. O Almir tem um espírito que eu queria buscar muito para esse pantaneiro, essa expressão calma, serena, sábia, com a visão longe, de quem enxerga muito as coisas. Ele só de olhar sabe quais são todas as árvores, por que estão secas, por que um animal está ali, fazendo o que está fazendo. Eu estava buscando isso.
Como foi sua rotina de gravação no Pantanal?
O início das gravações com o Irandhir (Santos) foi muito bom. O Irandhir é um cara que admiro muito, ele sempre foi uma inspiração para mim. Eu fui para o Rio de Janeiro numa época em que ele estava aparecendo com filmes, numa primeira leva de filmes que chamou não só a minha atenção, como do público como um todo. E isso facilitou minha vida ao Rio. Pernambucano, né? Tem aí Irandhir, Hermila Guedes, a cena do cinema pernambucano estava muito forte. E Irandhir era um dos personagens principais desse momento. Eu sempre tive vontade de contracenar com ele porque fizemos ‘Velho Chico’ e ‘Dois Irmãos’, mas não contracenamos. Eu brinco que a gente se deu bem nessa escalação, porque o avô é pernambucano, que é o Irandhir, o pai é pernambucano, que sou eu, e o filho também, que é o Jesuíta (Barbosa), outro ator que também admiro muito. Começar aqui no Pantanal com o Irandhir foi muito especial, você consegue beber muito de uma fonte muito rica num espaço muito curto de tempo. Ele te inspira e te leva de uma forma muito mágica. Eu já tinha começado a gravar, então trouxe o que pesquisei, somei ao que o Pantanal me trouxe, e me deixei levar pela energia que o Irandhir irradia também.
Como foi gravar no Pantanal? Alguma dificuldade encontrada? Ficar tanto tempo no que chamamos de Brasil profundo é uma experiência e tanto, não acha? Já havia vivido algo parecido?
Eu vivi um outro Pantanal, peguei 12 graus lá. No dia mais quentinho desse período estava 18, 19 graus. Inclusive, toda hora meus amigos de lá e o Almir (Sater) me diziam que eu ia encontrar outro Pantanal. Eu vi uma onça pela primeira vez e ela estava tomando banho no rio em que eu estava. É o momento que elas vão sair mesmo. No calor elas vão procurar uma água para se banhar, então imagino que seja mais fácil de ver. Assim como deve ser com outros bichos. Eu realmente vi dois pantanais diferentes em um curto espaço de tempo. Em algum momento alguém comentou, olha que papagaio folgado, fica derrubando nossas mangas. Aí eu falei: é sério? Tu constrói o negócio no meio da floresta das meninas, ela está aqui pegando uma manguinha pro filho, e tu está reclamando? Folgado é tu (risos).
E a rotina de gravação, como foi?
Para mim não foi tranquila porque eu gravava todos os dias, gravei bastante coisa mesmo. O meu corpo cansava, mas acordava zerado, novo, porque foi muito bom de fazer. Sabe quando você malha pela manhã e está mais disposto para o dia? Eu me sentia assim. Um dia era sempre melhor que o outro. Nos momentos de folga eu só descansei. Lá a gente tem o privilégio de fazer diversas locações. Levamos boi de uma fazenda para outra. Então estávamos realmente vivendo as coisas. Domingo eu tirava para de fato me reconectar com o que eu queria. No dia a dia eu vivia o personagem, e no domingo eu voltava para entender o que eu queria para a semana, dentro do quarto, quieto.
Você tinha cerca de quatro anos quando ‘Pantanal’ foi exibida pela primeira vez. Tem lembranças dessa época? ‘Pantanal’ marcou sua vida de alguma forma? Talvez com alguém da sua família que era fã, ou algo assim?
Sim, não da primeira, mas de quando reprisou. Essa reprise eu lembro bastante. A primeira eu lembro de ouvir a música, lembro dos comentários das pessoas. Tenho bastante lembrança desde quando tinha dois anos, então quando exibiu a reprise eu lembro bastante. Sobre Zé Leôncio, o nome eu lembrava, mas não lembrava do personagem em si. Na época, eu lembro de ficar muito marcado com o Velho do Rio, com Juma, Jove e o Tadeu. Foram os personagens que mais me marcaram. Mas o Zé Leôncio lembro principalmente do Paulo Gorgulho, eu não entendia bem essa coisa de primeira e segunda fase.
Como foi receber o convite para dar vida a Zé Leôncio?
Fiquei muito empolgado e passei um tempo na apreensão de dar certo. Tinha uma questão de agenda de trabalho, junto com mudanças de datas devido à pandemia. Mas foi um presente realmente porque eu gosto muito do personagem herói quando ele tem traços anti-herói. Quando ele consegue não ser mocinho, nem vilão, mas transcender isso tudo. Esse é o tipo do personagem que me motiva, me empolga, que me dá prazer mesmo.
Como foi a construção do personagem? Poderia contar sobre a preparação e os workshops que fez?
Minha base foi principalmente o texto. Gosto muito da criação do Benedito (Ruy Barbosa) e das palavras do texto do Bruno (Luperi). Eu costumo fazer o contrário, viver o dia a dia do personagem. Para fazer o Marcelo D2 eu fui trabalhar no camelô, criei uma banda, tudo por minha conta. Para fazer um médico em ‘Os Dias Eram Assim’ eu fui entender o trabalho dos Médicos Sem Fronteira… Mas nesse eu quis ficar mais no que o texto de fato tinha como tempo, como forma de falar. Eu achava que seria mais interessante se eu levasse ele para o texto da fábula, da criação, do que trazer para a realidade, que seria mais um empréstimo meu. Fui deixando o texto me levar, me conquistar. Assim como as parcerias em cena. Uma das coisas mais importantes nesse trabalho foi ter começado a gravar com o Orã Figueiredo, minha primeira semana inteira foi com ele. E ele me passou muita segurança, foi muito parceiro, fizemos uma dupla boa, a gente se encaixava. E ele me deixou muito à vontade para eu ir testando e tentando e trazendo o Zé Leôncio que eu acreditava, mas que fui construindo com cada experiência dele. Assim como o que eu quis trazer foram referências do texto, muita leitura, julgar o que era aquela história e quem era o Zé Leôncio, mas fechar, construir, deixei para a cena, e o Orã foi importante nesse sentido. Fui construindo como uma massinha. Tivemos o trabalho com a preparadora Andrea Cavalcante, até hoje ela está em cena, tem ajudado muito desde o começo. Todas as nuances, as escolhas, ela me questiona sempre. A gente teve um workshop sobre filosofia, amor, o Pantanal enquanto relação interpessoal, que foi fundamental para entender e construir o psiquê desses personagens. Eu já sabia montar. A Globo sempre tem esse cuidado da gente fazer aulas antes, mas eu já tinha essa familiaridade, ando a cavalo desde moleque. Eu já sabia laçar, e quando começou nossa preparação, peguei um dia só para relembrar.
Quem é esse Zé Leôncio jovem? Como você acha que ele se difere do Zé Leôncio da segunda fase?
É um cara muito reto, muito honesto, mas que tem uma justiça muito peculiar. Tem um senso de justiça dentro das coisas que ele acredita. É um homem real, com falhas, mas ele tem uma honestidade e retidão que é muito admirável. Você tem outras coisas da fantasia, da fábula, do herói, mas o que mais me atrai no Zé Leôncio são os defeitos dele, de não fugir deles, de encará-los. Entender como traços que dizem quem é esse cara.
Entrevista com Chico Teixeira
Qual sua relação com o Pantanal?
Eu fui para lá em 1993 ou 1994, tinha 13 ou 14 anos. Mudou a minha vida. Fui para passar 15 dias, passei dois meses. O Almir (Sater) numa tarde pediu para eu fazer uma base para ele estudar um solo de viola, e eu voltei tocando para São Paulo, destravei na música. Eu sabia tocar um ou outro acorde antes. E fui algumas vezes depois ainda. Eu e Gabriel (Sater) fomos criados como irmãos. Nessa primeira ida ao Pantanal meu pai foi junto. Depois ia eu e Gabriel, eu ia passar férias no Pantanal, ele em São Paulo. Depois fui algumas outras vezes, tenho lindas histórias, era um encontro comigo mesmo, energizar para cumprir o ano. Olhar o céu estrelado no meio do Pantanal, o banho de rio, tudo isso me marcou. Fui algumas vezes para Campo Grande também, tenho muitos amigos na região.
Como foi receber o convite para fazer essa novela?
Primeiro foi uma surpresa para mim, eu venho da área da música, de pesquisa, sou compositor também, passei a fazer um trabalho de pesquisa sobre a música do interior, canções antigas, da época do folclore. O convite apareceu de forma inusitada. De cara eu estranhei. Mas depois pensando e sentindo eu achei que seria capaz de compor esse desafio e decidi aceitar. Fui bem acolhido por grandes atores, pessoas que admiro demais, aprendo muito com eles. Estou tendo um acolhimento lindo de toda a equipe. A gente começou trabalhando num lugar onde a logística é difícil, embora tenha toda a beleza. Vamos contar uma história que também vai trazer a conscientização das pessoas sobre a importância de preservar nossos biomas para termos uma sociedade saudável. Uma floresta pulsando é pulsar saúde na sociedade.
Quais as dificuldades que você encontrou durante as gravações?
Eu cheguei no Pantanal alguns dias antes por causa do isolamento. Eu estava realmente muito ansioso porque é meu primeiro trabalho como ator. O Papinha (o diretor Rogério Gomes) me deixou muito confortável. Meus parceiros de cena também, criamos um laço muito bonito, de amizade. Estou aprendendo muito, observando, escutando. Quando ouvi o primeiro “gravando”, pensei comigo “que horas eu falo?” (risos). Aí entra a generosidade dos parceiros. Irandhir (Santos) deu uma piscada de olho que indicou que era a hora. E aí eu soltei a fala, foi tudo bem, bem natural. Toda comitiva tem um violeiro, um músico, eu me sinto confortável e capaz de cumprir essa missão. Estou no meu oitavo disco. Na primeira versão o Quim não cantava. Fizeram uma adaptação para trazer música a ele. Eu fiquei muito feliz em trazer a música para o enredo todo.
Como é sua relação com a natureza?
Eu moro na maior floresta urbana do mundo, que é a Serra da Cantareira. Lá perto de casa aparece até onça parda, tem uma natureza muito rica ali. Então, é um ambiente muito natural para mim, meu habitat, me sinto em casa. Infelizmente, não temos coleta seletiva onde moro, nem mesmo saneamento básico. Nossa sociedade precisar evoluir muito ainda. Mas a Cantareira é um belo local.
Sobre o Quim, quem é ele?
É um peão que vai representar esses caras da lida, que têm muita força, têm uma vida sofrida, embaixo de sol, com enchente, com seca. Tem muita energia nas ações dos peões pantaneiros. Eles têm também uma certa tranquilidade de observar a vida de uma outra forma, em outro tempo, outro ritmo. Acho isso muito bonito. Poder trazer a música para esse peão é um privilégio. E mostrar fundamentalmente uma história de amizade muito bonita. O Tião é o irmão da vida do Quim, essa é uma história muito bonita, num momento em que a sociedade está tão dividida, mostrar uma relação de união e de afeto é muito importante. O senso de humor do peão pantaneiro também está presente no Quim e no Tião. Viemos com um ar de leveza a essa trama.
Entrevista com Fábio Neppo
Você já conhecia o Pantanal? Como foi chegar lá?
Não conhecia. É difícil se acostumar com o calor. Sou de São Paulo, onde sempre morei. Chegamos um tempinho antes para nos adaptarmos e alguns dias depois começamos a gravar. É um desafio essa questão de representar bem o peão, ainda mais se tratando dessa novela, desse tema, a homenagem às pessoas que fizeram a primeira versão. É uma grande responsabilidade, mas eu procuro sempre me divertir.
Vocês fizeram workshop para dar vida aos peões?
Sim. Eu nunca tinha andado a cavalo. Tivemos aulas de montaria no Rio de Janeiro por cerca de 10 dias. Nunca é o suficiente (risos), mas já consigo cavalgar, subir no cavalo, fazer o básico. Tentamos usar o laço, melhorar a relação com o gado. A maior dificuldade até agora foi o calor e também as cenas com questões técnicas. Eu não tenho muita intimidade com o cavalo, às vezes tenho que dar um galope e parar perto da câmera, fico com um certo receio, mas está dando tudo certo até agora.
Durante as gravações no Pantanal, o que fez nas horas vagas?
Experimentei alguns pratos locais, como a sopa paraguaia, que não é uma sopa, mas sim um bolinho salgado, bem gostoso. Nas horas vagas fui para a casa do Almir (Sater) tomar banho de rio e apreciar Chico Teixeira e Almir tocarem seus violões. Um privilégio.
Como é sua relação com a natureza?
Eu sou de São Paulo, mas moro em Cotia, e lá tem bastante verde, tem tucanos. Não tem arara azul, jacaré (risos). Mas tem muito verde, gosto muito de contemplar a natureza, passo horas olhando todo esse verde, os animais.
Como foi a preparação para dar vida ao Tião?
Foi sensacional. Tivemos o apoio da Andrea Cavalcanti, preparadora de elenco, que foi fundamental porque nos ajudou com improvisação de cena, com a prosódia. Foram os primeiros passos. Tivemos também palestra com os peões, tudo online, devido à pandemia. Tivemos palestras sobre o bioma, relações do bioma com o ser humano, e depois nos deram informações para irmos buscando mais, como documentários sobre o Pantanal. E quando chegamos no Pantanal, ficamos sempre com os peões. Eu, como gosto de observar bastante, ficava vendo o jeito deles de falar, de se movimentar.
Quem é o Tião? Quem é o Quim na vida do Tião?
É um peão dedicado que não teve um pai para se espelhar, mas teve um patrão generoso que ensinou a lida da vida para ele. O Quim é o irmão que ele não teve. É sua outra metade, um parceiro de vida, de lida. Um aprende muito com o outro, assim como o Fábio, ator, aprende muito com o Chico, músico. Não sei se foi o destino ou foi proposital nos colocarem juntos.
Entrevista com Letícia Salles
Você não era nascida quando ‘Pantanal’ foi ao ar pela primeira vez, certo?
Não. Tenho 26 anos, não era nascida quando ‘Pantanal’ foi ao ar, mas minha família sempre falou muito sobre a novela, tanto que parece até que eu assistia. São personagens com os quais eu me sinto próxima, principalmente da Filó, que estou fazendo, que tem uma força enorme, é uma mulher muito forte com a qual eu me identifico em vários fatores. Ela tem uma simplicidade com a qual eu me identifico demais e que nos aproxima muito. Minha avó é uma das pessoas com quem eu mais converso sobre a novela, ela me conta sobre todos os personagens e ficou encantada quando eu contei a ela que interpretaria Filó. Ela adora a Tania Alves e a Jussara, que fizeram a primeira versão.
E como está sendo dar vida à Filó?
Está sendo um presente porque é meu primeiro trabalho na TV. Trabalhei como modelo por sete anos e voltei ao Brasil para estudar artes cênicas. Voltei em fevereiro de 2020 e desde então estou estudando. Eu tinha 19 anos quando comecei a trabalhar como modelo, no Rio de Janeiro, depois viajei para Londres, fiquei dois anos, e depois voltei com essa proposta de estudar teatro. Fiquei um pouco nervosa ao fazer o teste, fiz com o Renato Góes. Mas foi muito legal, uma experiência muito bacana. Tive esse primeiro contato com o jogo de luz, de câmera, trocar diálogo, foi muito importante, eu adorei tudo. Entre fazer o teste e receber a notícia de que estava dentro, foram uns dois meses. Fiquei muito feliz, meu primeiro trabalho, uma novela grande…
Como foi a construção da personagem?
Quando me enviaram todas as características da personagem, comecei a buscar na internet imagens da novela, vídeos, assisti às meninas que viviam nas currutelas, vi algumas entrevistas. Mas acho que a experiência mais incrível foi depois que eu cheguei no Pantanal. Eu já estava construindo essa personagem antes, mas estar ali, nessa vivência do dia a dia, nos aproxima ainda mais. A gente está no ambiente propício para isso. Conversei com pessoas que já conviveram com mulheres de currutela e todo dia descubri algo diferente sobre a Filó que foi fundamental para a sua construção. Aliás, é uma personagem que sempre estará em construção, a gente vai se descobrindo ao longo do processo.
Eu fiz umas aulas de expressão corporal. O que a Filó tem é o aterramento, eu precisei ter mais isso. Por ser modelo, tenho a postura muito ereta, eu precisei “desajustar”, ficar mais solta, sentir meus pés mais firmes. Eu tive um trabalho corporal para chegar nesse lugar. Tive prosódia também, tenho um sotaque carioca bem forte. Achei que fosse ser mais difícil do que imaginei que fosse, mas estou no caminho. No começo foi mais complicado.
Precisou fazer algum workshop?
Fiz workshop de três dias, de culinária. Aprendi a fazer algumas coisas, a manusear certos instrumentos da cozinha que eu não sabia como usar. Aprendi a fazer curau de milho, a fazer uns doces de mandioca muito gostosos, limpar peixe, descascar mandioca. A Dira Paes, que interpreta Filó na segunda fase, fez comigo o workshop e foi incrível, trocamos sobre a personagem, nos encontramos algumas vezes, e ela me ajudou bastante a encontrar esse lugar da Filó.
Para você, quem é a Filó?
A Filó é uma pessoa do bem, super do bem, uma mulher muito sábia, forte, generosa, que sente um amor que hoje em dia é muito difícil de a gente encontrar. Se a Juma é uma onça, a Filó é uma loba, porque ela cuida da matilha. Ela tem sororidade, isso é incrível, principalmente com a Madeleine. Ela tem um coração gigante, é uma personagem muito potente, eu sempre a defendo. Uma de suas características mais fortes é sua capacidade de amar, ela tem um dom de cuidar, de proteger, esse amor que ela sente pelo José Leôncio eu acho de uma grandiosidade e raridade incrível. A fragilidade da Filó está no fato de que ela espera ser correspondida por esse amor que ela entrega, e isso a fragiliza. Mas ao mesmo tempo a torna mais forte, ela não se entrega, não se abate, é muito assertiva, muito segura. A Filó sabe que independentemente de qualquer coisa, ela é a mulher da vida dele. Com relação a ela mesma, é uma mulher muito potente, muito forte. É lindo ver a forma da Filó lidar com o José Leôncio, ela não é agressiva, não é bruta, não é grossa, é firme. Tenta levar todas as situações muito fortes e pesadas para uma leveza. Ela que toma conta de tudo ali, aquele espaço ali é dela, aquele território é dela. Ela se sente em casa, se sente bem, as pessoas a respeitam.
Como foi seu processo de caracterização?
Tive que colocar aplique para fazer uma extensão no cabelo e foi ótimo. Gravo com ele solto, às vezes meio preso, como quando estou na cozinha. E maquiagem quase nada, só tirar umas imperfeições da pele, mas é tudo muito natural.
Você já conhecia o Pantanal?
Não, foi a primeira vez. Fiquei empolgada ao estar lá, mas triste de ver a seca. Temos um bioma muito rico, administrado de maneira muito irresponsável. Aos domingos tínhamos o dia de folga e fui conhecer as outras fazendas onde são gravadas as outras cenas. Tive a oportunidade de mergulhar no rio também, foi muito legal essa experiência.
Como foi gravar no Pantanal?
Mágico! E muito quente (risos). Mas foi muito importante porque encontrei mais ainda a Filó, esse lugar dela, consegui me ambientar, sentir as vibrações do Pantanal. O calor no começo foi mais difícil, mas acabei me habituando, até porque, como sou carioca, o calor é meu segundo nome. Mas o calor de lá é diferente. Experimentei coisas novas, como o tererê e a sopa paraguaia, que é muito gostosa. Não deu nem tempo de sentir saudade de nada do Rio de Janeiro.
Você tem uma relação próxima com a natureza?
Desde pequena nunca tive muito contato com a natureza, apesar de gostar muito, defender demais. Agora estou começando a ficar mais confortável, a lidar melhor com a natureza. Eu até brinco com a Bruna (Linzmeyer) que ela é a Filó e eu sou a Madeleine. Eu tenho medo de tudo e ela fica super à vontade no contato com os animais. (Risos)
‘Pantanal’ é escrita por Bruno Luperi, baseada na novela original escrita por Benedito Ruy Barbosa. A direção artística é de Rogério Gomes, direção de Walter Carvalho, Davi Alves, Beta Richard e Noa Bressane. A produção é de Luciana Monteiro e Andrea Kelly, e a direção de gênero é de José Luiz Villamarim.