Não é a primeira vez que Fernanda Montenegro e Fernanda Torres interpretam mãe e filha na dramaturgia. Sem dúvida, contudo, nessas condições de isolamento social, com uma equipe limitada, formada em grande parte pela família, durante a maior pandemia do século, as atrizes vivenciam uma experiência inédita em suas trajetórias artísticas. Elas são as protagonistas do especial ‘Gilda e Lúcia’, que dá início à série ‘Amor e Sorte’ na próxima terça-feira, dia 08, na TV Globo, após a novela das nove. Jorge Furtado, idealizador do projeto, também assina o texto, ao lado de Antonio Prata, Chico Mattoso e da própria Fernanda Torres.
Se todos os outros episódios da série, que tiveram direção artística de Patricia Pedrosa, foram gravados remotamente, com direção e equipe orientando o elenco através de uma plataforma de vídeo, este teve a sorte de contar com a direção artística presencial de Andrucha Waddington, marido de Fernanda Torres e genro de Fernanda Montenegro. O trabalho em família não parou por aí. Pedro Waddington, filho de Andrucha e enteado de Fernanda, participou da direção ao lado do pai; e Joaquim Waddington, filho do casal, teve uma participação especial na série. Amigo da família e companheiro de quarentena, o fotógrafo João Faissal assinou a direção de fotografia.
Andrucha Waddington comenta a experiência. “A ideia do Jorge Furtado de fazer uma série usando as pessoas que estão quarentenadas para falar deste momento de resiliência, de resistência, com segurança, foi muito poderosa. Nas gravações, todos eram todos os departamentos, foi um coletivo. Trabalhamos totalmente offline e tivemos um suporte muito grande de pré-produção da TV Globo. No meio da pandemia, de estarmos isolados, poder pegar uma câmera e filmar, a gente parecia criança num playground. Acho que foi um presente que a gente recebeu e eu serei sempre grato”, conta. Pedro Waddington endossa a fala do pai. “Normalmente, temos as ideias e tem toda uma equipe que vai nos ajudar a fazer aquelas ideias acontecerem. E desta vez tivemos as ideias e corremos para fazê-las acontecer o tempo inteiro”, lembra.
A atriz Fernanda Torres detalha os bastidores da gravação e a importância do projeto como marco deste período. “Nós subimos a Serra e, em algum momento, a gente aceitou aquele lugar como nosso. Quando veio a filmagem, foi uma espécie de coroação, quase como se fosse uma foto em homenagem a um momento da nossa vida. Esse episódio veio como uma memória. A gente conseguiu que fosse não numa foto, mas em um episódio de 40 minutos, onde estamos todos representados. Nossa família inteira e aquele lugar que nos salvou. Éramos uma equipe de cinco pessoas. Aí, o diretor definia ‘É aqui o quadro’. Limpar um canto, arrumar o cenário, iluminar… saíamos todos carregando refletor. Para mim, foi uma espécie de auge daquele período e é algo que eu nunca vou esquecer na vida”, lembra Fernanda Torres.
Aos 90 anos, Fernanda Montenegro fala com carinho sobre ter a presença dos netos neste trabalho. “A cada dia, foi uma surpresa absoluta. Nos juntamos, vieram os netos, nós nos maquiamos, nos penteamos. Imagina o que é uma avó, de 90 anos, de repente, estar com os netos trabalhando. É muito bonito ver seu campo de trabalho, de vida, de criatividade adiante, com os netos, além dos filhos. É tão acolhedor, é um amparo. Tem um encanto nesse nosso viver vocacional, profissional que a moçada não deixa de se contaminar. Então, continuamos a família circense, do mais arcaico ao mais recém-nascido. Não tenho palavras para definir o que foi, de bonito e de consolador. Quis o destino”, afirma Fernanda Montenegro.
‘Gilda e Lúcia’: na trama, mãe e filha revisitam relação na quarentena
Para garantir o isolamento social da mãe, Lúcia leva Gilda para a Serra, onde precisarão passar a quarentena juntas. Na convivência forçada, o relacionamento conflituoso, em que as diferenças se destacam, passa por uma transformação. Este é o enredo do episódio protagonizado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, e escrito a muitas mãos.
Para Jorge Furtado, que criou a série, supervisiona os textos de todos os episódios e assina este ao lado de Antonio Prata, Chico Mattoso e Fernanda Torres, a grande mensagem aqui é que tudo na vida tem alguma coisa de bom. “Qualquer coisa que acontece pode ter um lado bom também. Mesmo quando é muito ruim, alguma coisa de bom sempre tem. A mensagem do episódio é que nesse momento terrível, uma coisa que a gente pode dizer que pode ter sido positiva é a proximidade que tivemos, a intimidade crescente com as pessoas que amamos ou que estamos junto. Quem teve a sorte de ficar quarentenado com as pessoas que ama, descobriu mais, aprendeu mais sobre elas e isso pode ser bom”, comenta o autor.
Antonio Prata acredita que, mais que uma mensagem, assistir ao episódio é como olhar pelo buraco da fechadura e entender que há situações que se repetem em muitas famílias. “O episódio trata de uma relação de mãe e filha. As dificuldades dessa relação. Mãe e filha muito diferentes uma da outra, de gerações diferentes e que, por conta da pandemia, se isolam juntas. A coisa azeda, todas as dificuldades das duas afloram, até que elas se entendem”, explica. “São situações, relações, acontecimentos que podem acontecer com todo mundo”, finaliza.
Seu parceiro de trabalho de longa data, Chico Mattoso, concorda e acha que o episódio reforça a premissa de todos os outros, sobre como a quarentena amplifica os conflitos familiares e põe à prova velhos relacionamentos. “Envelhecer é complicado por natureza, relações entre pais e filhos, também. No caso de Gilda e Lúcia, a experiência do confinamento serve para reavivar fantasmas do passado e expor diferenças acumuladas ao longo dos anos. Mas o convívio forçado também pode servir para refazer laços e conexões, mostrando às protagonistas caminhos possíveis para o afeto, a cumplicidade e, por que não, o humor”, reflete o autor.
Fernanda Torres, que além de atuar e executar múltiplas funções no episódio, também assina o roteiro, destaca o antagonismo destes dois mundos que são forçados a conviver. “O episódio é sobre uma mãe e uma filha. Uma mãe que está na terceira idade, foi jovem nos anos 1960, 1970, com a revolução dos costumes. É ativa e, aos 90 anos, por causa da pandemia, não pode fazer mais nada. Não pode sair, beber, pegar sol, fumar, não pode fazer nada do que fez a vida inteira. A filha descobre que ela está tomando caipirinha na praia, pega ela e a história começa com a mãe querendo voltar porque não quer ir para o sítio. E a filha, que é uma mulher do mercado financeiro, é um home office por excelência. Ela tem que trabalhar à distância e demitir pessoas. Então são esses dois mundos antagônicos. A mãe dos anos 60 e a filha do mercado tecnocrata, de uma empresa, que são obrigadas a viver. Não se dão bem, e a quarentena as aproxima”, comenta a atriz. Fora da trama, o trabalho também marcou a reaproximação da família com o isolamento social. “Os filhos crescem e vão para suas vidas. Nós voltamos a nos encontrar, intimamente, dia e noite ali, fechados, durante quatro meses. E nos encontramos de uma forma muito amorosa, essencial, muito humana, sem demagogia”, recorda Fernanda Montenegro.
‘Amor e Sorte’ é uma série em quatro episódios, criada por Jorge Furtado. O episódio ‘Lúcia e Gilda’ tem roteiro de Antonio Prata, Chico Mattoso, Fernanda Torres e Jorge Furtado, direção artística de Andrucha Waddington e direção de Pedro Waddington. O episódio é protagonizado por Fernanda Montenegro e Fernanda Torres, com as participações de Ricardo Pereira e Joaquim Waddington.