Independentemente da época, a trajetória de luta contra o racismo e em favor da justiça e da liberdade coloca na mesma página a rainha Nzinga Mbandi (Heloisa Jorge), ex-escravizados como Baquaqua (Reinaldo Junior) e Harriet Tubman (Olivia Araujo) e o lutador Muhammad Ali (Babu Santana). Os quatro dão alguns dos 22 depoimentos históricos que o público vai conferir em ‘Falas Negras’, especial idealizado por Manuela Dias e dirigido por Lázaro Ramos que a TV Globo exibe no dia 20 de novembro. Em entrevistas abaixo, Heloisa Jorge, Reinaldo Junior, Olivia Araujo e Babu Santana falam sobre a experiência de participar do especial na pele de personagens tão emblemáticos.
Heloisa Jorge é Nzinga Mbandi – A rainha do Reino do Dongo e Matamba nasceu na Angola e viveu entre 1583 a 1663, e simboliza a resistência africana à colonização e a comercialização de escravos. Foi uma rainha combatente, destemida, chefiou pessoalmente o exército até os 73 anos de idade.
Como foi interpretar Nzinga Mbandi?
Foi mágico e desafiador ao mesmo tempo, porque a Rainha Nzinga Mbandi é uma referência muito valiosa para a construção da nossa história e identidade em Angola. Quando eu falo da Nzinga, me lembro da minha infância no meu país, me traz a sensação bonita do pertencimento, lembro com saudade do bairro da Maianga em Luanda onde eu estudei, dos primeiros livros de história que contavam que a Njinga foi a mulher destemida e astuta que lutou até quase os 72 anos de idade contra a coroa portuguesa. A Nzinga é um dos mais importantes símbolos nacionais que nós temos lá. Essa mulher lutou muito para defender o reino do Ndongo e da Matamba, comandou um exército naquele tempo, uma estrategista nata que negociava em pé de igualdade com os portugueses. Foi muito emocionante dizer as palavras que ela mesma escreveu na carta para o governador português da época, me senti orgulhosa por ser filha daquele país e muito feliz em poder honrar o lugar de onde eu vim partilhando um pouco do que a Rainha Nzinga representa não só para Angola, mas para todo o continente africano.
Acredita que o programa vai tocar o espectador?
Espero que a partir dos relatos históricos as pessoas se interessem em refletir sobre o Brasil e o mundo que nós temos hoje. Acredito que será mais uma ótima oportunidade para se abrir a escuta e conhecer um pouco mais sobre a nossa história.
Olivia Araujo é Harriet Tubman – Ex-escravizada, tem data de nascimento imprecisa, tida como 1820 ou 22, e viveu até 1913. Ela se alistou como cozinheira e enfermeira durante a Guerra Civil Americana para espionar e captar informações, e ali ajudou na fuga de centenas de escravizados dos territórios dominados das fazendas do sul dos Estados Unidos rumo ao norte do país, onde não havia escravidão, e ao Canadá.
Como foi viver Harriet Tubman?
Fiquei muito feliz e emocionada de ser a voz dela. Uma história linda dessa mulher que pensou e fez pelo coletivo, libertou pelo menos 300 pessoas escravizadas, foi enfermeira, foi para a frente de batalha e participou do movimento feminista. Uma mulher incrível que merece ser reconhecida e respeitada.
O que 20 de novembro significa para você?
Essa data marca o reconhecimento por todos os que fizeram o caminho da liberdade, da humanização, e resgate da dignidade do povo preto. Lembra daqueles que se mantiveram vivos mesmo com toda a adversidade e crueldade para que hoje nós possamos estar aqui e seguir em frente com muito mais possibilidades.
Reinaldo Junior é Mahommah G. Baquaqua – Ex-escravizado, viveu entre 1820 e 1857, nasceu na África Ocidental, no atual Benin, veio em um navio negreiro que aportou em Pernambuco. Mas o trabalho em um navio mercante, que o levou para Nova York, mudou sua vida completamente. Naquela época, os estados do Norte dos Estados Unidos já tinham abolido a escravidão, e Baquaqua conseguiu fugir. Em Detroit, publicou sua biografia, que é um dos poucos registros da época contados nas palavras de um negro escravizado no Brasil, e que descreve em detalhes os hediondos castigos cometidos contra os escravizados no país.
Você se emocionou ao interpretar Baquaqua?
Ele nos deixa um legado de levante e rebeldia através da sua inteligência e a não aceitação da condição imposta como “escravo”. Impossível não se emocionar com um sentimento que nos atravessa há pelo menos 300 anos, que é o sentimento de “eu prefiro morrer do que viver como escravo”. Acredito que seja o grito engasgado da maioria de pretos trabalhadores que vivem em condições subalternas.
Qual o maior mérito do especial para você?
O de termos 22 vozes e relatos históricos, reais, para milhões de brasileiros que se reconhecem nesses corpos, falas e vivências! Identificação direta!
Babu Santana é Muhammad Ali – Maior pugilista da História, eleito “O Desportista do Século”, nasceu nos Estados Unidos, viveu entre 1942 a 2016. Ali nasceu Cassius Clay e a vitória no pugilismo veio junto com sua conversão ao islã e a mudança de nome. Ele passaria então a se chamar Muhammad Ali. Convocado, recusou-se a ir à guerra do Vietnã e desafiou o governo americano. A atitude rendeu a cassação de seu título de pesos pesados e o deixou por três anos longe dos ringues até que a Suprema Corte decidisse a seu favor.
Como foi viver Muhammad Ali?
Foi demais porque Muhammad é um exemplo, ícone, ídolo a ser seguido. Quando eu era mais jovem, sonhava me tornar lutador e ele era um dos maiores lutadores do mundo. Quando o vi falando, foi a primeira vez que eu vi um lutador falar daquele jeito. Eu me emocionei pelas condições em que ele se encontrava, as condições da luta dele foram muito traumáticas.
Idealizado e organizado por Manuela Dias, ‘Falas Negras’ é dirigido por Lázaro Ramos, conta com Thaís Fragozo na pesquisa e Aline Maia como consultora e pesquisadora. Integram o elenco do especial Fabricio Boliveira, Babu Santana, Guilherme Silva, Ivy Souza, Naruna Costa, Tais Araujo, Heloisa Jorge, Barbara Reis, Mariana Nunes, Izak Dahora, Silvio Guindane, Olivia Araujo, Reinaldo Junior, Aline Deluna, Flávio Bauraqui, Bukassa, Angelo Flavio, Samuel Melo, Aílton Graça, Tulanih Pereira, Valdineia Soriano e Tatiana Tibúrcio.