Uma história de inimizade de mais de 60 anos. Uma guerra declarada entre duas vizinhas capazes de tudo para prejudicar a vida uma da outra. De um lado, Turandot (Arlete Salles); do outro, Yolanda (Vera Holtz), a “Boi” – apelido dado pela primeira, ao concluir que “vaca” está fora de moda. Ninguém sabe quando tudo começou, mas já aposentadas, viúvas e, portanto, dispondo de tempo livre o suficiente nas mãos, nenhuma delas tem a menor intenção de propor um tratado de paz. Em meio a esse embate, o neto em comum, Roblou (Daniel Rangel), tenta sobreviver ao ambiente hostil onde foi criado e se agarra à única oportunidade que encontra em seu caminho: Demimur (Valentina Bulc), menina cheia de sonhos com quem descobre as alegrias e as dores do amor. É pelo seu ponto de vista, um tanto fragilizado, que o público acompanha as constantes desavenças entre as duas senhoras.
O storyline de ‘Eu, a Vó e a Boi’, apesar de nada convencional, tem como pano de fundo a vida real. Em 2017, Eduardo Hanzo decidiu compartilhar com seus seguidores no Twitter a bélica – e muitas vezes cômica – relação de inimizade entre sua avó e a vizinha dela. A história viralizou e chamou a atenção de Gloria Perez, que, assim como um grande número de internautas, achou que a postagem divertida na rede social renderia um roteiro de televisão.
Nas mãos de Miguel Falabella, a narrativa deu origem a uma série de humor ácido, com personagens alucinados e, ao mesmo tempo, absolutamente comuns. “Embora seja uma série de humor, com tipos muito inusitados, ela também coloca o dedo na ferida. Hoje temos um país sentido, dividido. O discurso é sempre da truculência. E isso é o que a avó e a Boi fazem nessa história. Elas não argumentam, elas agem uma contra a outra. São situações engraçadas, mas por trás desse humor as coisas são ditas”, revela o autor.
A trama se passa na Tudor Afogado, uma rua cinza e monocromática, inspirada no subúrbio do Rio de Janeiro. Separadas por uma vala que praticamente materializa a aura de ódio e rancor entre as vizinhas, vivem frente a frente as famílias das duas. Por ali, ninguém escapa ileso dos boicotes diários praticados pelas matriarcas. Quando Norma (Danielle Winits) e Montgomery (Marco Luque), filhos das rivais, se apaixonam perdidamente, tudo parece sentenciado ao caos eterno. Nem mesmo o nascimento dos netos Roblou e Matdilou (Matheus Braga) abre uma trégua entre as duas senhoras.
Ao longo de 12 episódios, os personagens surgem em cena com reações e atitudes que beiram o absurdo. “São todos alucinados, com relações alucinadas. Na série não há uma cronologia muito rígida. São fatias de emoção. Os personagens reagem aos estímulos das situações propostas. É como se fosse a toca do coelho da Alice, em que a gente mergulha e vai viver um universo paralelo”, explica o diretor artístico Paulo Silvestrini.
‘Eu, a Vó e a Boi’ é uma série original Globoplay, desenvolvida pelos Estúdios Globo. Criada e escrita por Miguel Falabella, com Flávio Marinho e Ana Quintana, a partir de uma ideia original de Eduardo Hanzo, a obra tem direção artística de Paulo Silvestrini e direção de Mariana Richard.
A casa da vó
Turandot, já aposentada e viúva, tem na vida uma única motivação: atrapalhar tanto quanto for possível cada um dos dias de sua arqui-inimiga Yolanda, que – ela jura – roubou todos os seus namorados da juventude. Em sua casa, onde mora com as duas filhas, Celeste (Giovana Zotti) e Norma (Danielle Winits), e com o neto Roblou, ela é a dona da primeira e da última palavra. E ai daqueles que ousarem contrariá-la: para estes, a fama de grande atiradora é zelada constantemente.
Sua mais recente determinação é vencer a eleição e tomar da Boi o posto de presidente da associação de moradores. O motivo da candidatura, segundo ela, é conseguir dar andamento às obras de cobertura da vala com esgoto a céu aberto que divide ao meio a rua Tudor Afogado. Mas todos sabem que este é só pretexto para tirar tudo o que pode de sua rival. “A Turandot é uma mulher que, infelizmente, escolheu como sentimentos condutores da vida dela o ódio e o rancor. Ela não é uma mãe feliz, não é uma mulher feliz, não foi uma amante feliz. Como intérprete, é uma alegria porque esse é um grande personagem” conta a atriz Arlete Salles.
Celeste é quem mais sofre com as loucuras da mãe. Há 25 anos, a ascensorista é noiva de Cabello (Edgar Bustamante), o dono da Cabello Lanches. Mas, no que depender do comerciante, os sonhos de casamento não têm data para serem concretizados. Não bastasse toda a frustração, ela ainda é lembrada diariamente pela própria mãe de que sua vida e seus planos, há muito, estão falidos.
Norma também não teve sucesso na vida amorosa. Escolheu casar-se justamente com o filho da inimiga de Turandot, Montgomery (Marco Luque), com quem teve dois filhos – Roblou e Matdilou. Sempre foi perdidamente apaixonada por ele, enfrentando até mesmo toda a torcida contra o relacionamento. Quando os meninos ainda eram crianças, foi abandonada pelo marido e, dez anos depois, ainda vive sob o efeito dos remédios que toma para esquecer que um dia foi feliz ao lado do amado. Seu refúgio é a boate Mona de Ekê, onde trabalha como recepcionista e, em meio a muita purpurina, lantejoulas e conversas animadas com a amiga Sapore (Adriano Tunes), esquece dos problemas.
A casa da Boi
Do outro lado da vala, exatamente na casa em frente, vive Yolanda. A atual presidente da associação de moradores da Turdor Afogado divide teto com o filho Marlon (Magno Bandarz) e o neto Matdilou, e não poupa um minuto sequer do tempo que se dedica a planejar artimanhas contra a rival. Defende os seus como uma leoa, independente do que façam.
Isto inclui o filho mais velho, Montgomery. Dez anos depois de abandonar esposa e filhos e sumir no mundo, ele volta para casa – e para debaixo das asas da mãe. A alegria da Boi ultrapassa o retorno de sua cria: a volta de Montgomery desestabiliza Norma e, consequentemente, a harmonia da casa de Turandot. Era tudo com o que poderia sonhar. “A Yolanda é a matriarca de uma família direta, sem rodeios e sem julgamentos. Eu gosto dessas personagens que não têm passado nem futuro, vivem o tempo presente, são o que são. A Boi não está nem aí. Ela não gosta da Turandot e você não sabe bem o porquê. Ela não gosta, simplesmente”, explica a atriz Vera Holtz.
Também na casa, Marlon e Matdilou são praticamente cúmplices. Um imita o que o outro faz. Marlon adora se exibir nas redes sociais como o bonitão que é, enquanto o sobrinho Matdilou se revela um ótimo filmaker com o canal “A vida interessante das pessoas”. Preocupados em se dar bem financeiramente, eles encontram um caminho em comum: o relacionamento com Sugar Mammas. No namoro de contrato, tudo é acordado entre eles e as senhoras mais velhas com as quais cada um se relaciona – Belize (Eliana Rocha) e Mary Tyler (Stella Miranda), respectivamente.
O elo ferido entre duas família
Roblou é o narrador e testemunha ocular das desavenças entre Turandot e Yolanda. O drama enfrentado pelo protagonista de apenas 18 anos é semelhante ao de muitos brasileiros: impactado e ferido pelo ambiente de ódio em que cresceu, ele faz parte dos 75% de jovens que não têm qualquer esperança no Brasil. Onde não há esperança, o que sobra?
O amor. É nele que Roblou encontra sua válvula de escape e, talvez, a única saída para colocar sua vida nos eixos. Quando Demimur volta a morar com o tio, Cabello (Edgar Bustamante) – o dono da lanchonete da vizinhança –, um sentimento arrebatador inflama seu coração, bem no dia de seu aniversário de 18 anos. A menina com quem brincava na infância agora é uma jovem bailarina, linda e encantadora. Chega como um presente. Juntos, eles vivem as emoções de uma paixão intensa, capaz de transportá-los para um universo paralelo.
A felicidade dos pombinhos só tem um grande percalço: a tão almejada carreira internacional de Demimur. Prestes a embarcar para uma competição de dança esportiva de salão na Europa, ela precisa se dividir entre a intensa rotina de treinos, conduzida pelo rigoroso professor Rosalvo Lebrão (Cleto Bacic), e os momentos ao lado de Roblou.
O protagonista de ‘Eu, a vó e a Boi’ também é o responsável pelo diálogo com um importante interlocutor: o público. Roblou quebra a quarta parede, olha para a câmera e fala diretamente com quem o assiste sobre tudo o que vê nos arredores da Tudor Afogado. “Ele é o narrador da história e, além disso, é o protagonista, está em todas as cenas. São muitos textos falados para a câmera, muita narração em off. O Roblou tem uma troca com os personagens e com o público ao mesmo tempo. Para mim, esse é o lado mais desafiador desse personagem”, revela o ator Daniel Rangel.
A vizinhança da Tudor Afogado
Ponto de encontro oficial dos moradores, a Cabello Lanches é um recorrente palco para as tensões entre Turandot e Yolanda. Quando não estão se estranhando de suas casas, frente a frente, é ali que as senhoras acabam tecendo grandes embates. Cabello, o eterno noivo de Celeste, é o proprietário do estabelecimento – o que põe a todos em posição de alerta com os lanches servidos no local, que têm a fama de serem servidos com uma amostra dos fios capilares do dono. O único funcionário é Dimundo (Alexandre Barbalho), que sempre tem na ponta da língua um comentário inoportuno sobre a vida dos clientes.
Em frente à lanchonete fica o brechó de Orlando (Otávio Augusto). Mesmo entulhado de itens de colecionador, nunca se teve notícia da venda de qualquer objeto. Isso levanta a suspeita de todos, inclusive da detetive Ardósia Rocha (Alessandra Maestrini), mais conhecida como Seu Rocha, que está sempre atenta à movimentação do local. E o antiquário não é o único motivo das visitas da policial à região. Perdidamente apaixonada por Norma, a detetive está sempre a postos para qualquer chamado por ali – inclusive vindo da amada, com quem também mantém uma bonita relação de amizade.
A volta de Montgomery para a casa da mãe também estaciona na Tudor Afogado um trailer. É nele que o filho da Boi vende as empanadas feitas por sua nova esposa, a venezuelana Milagros (Paula Cohen). A chegada dos dois preocupa não só o comércio local como também a família de Turandot, já que trata-se do mesmo trailer comprado por Montgomery com o dinheiro da sogra. E o mesmo veículo com o qual abandonou Norma, dez anos antes.
O palco de um universo fabular
Para que a história e as atitudes dos personagens de ‘Eu, a vó e a Boi’ fossem o maior destaque da série, foi preparada uma cidade cenográfica com ares de palco. Construída especialmente para o projeto, ela tem 2.325 metros quadrados inteiramente monocromáticos. Todas as casas e estabelecimentos montados no local são cinzas do lado de fora.
“A série tem um universo não-realista, com relações extremadas entre os personagens e, por isso, eu queria que tivesse algo de teatral no tom. A cidade cenográfica monocromática cria esse ambiente. Uma vez que o ambiente é cenográfico, como um palco de teatro, você se distancia da realidade imediatamente. Ela é feita para que tudo seja verdade ali porque, em outro lugar, não seria”, explica o diretor Paulo Silvestrini.
Bem no meio da cidade cresce uma vala que divide a rua Tudor Afogado. Na série, ela personifica a tensão entre Turandot e Yolanda, e é tão presente e atuante na trama como qualquer outro personagem. “Para nós, esse foi o item mais difícil de entender e projetar. Parece que é um buraco simples, mas não é. Ele é todo estruturado por dentro porque alguns personagens caem na vala e são filmados dentro dela”, detalha a cenógrafa Marcia Inoue.
O universo não-realista de ‘Eu, a Vó e a Boi’ é composto por exageros divertidos e momentos que beiram o surreal. A monocromia do exterior das casas contrasta com o colorido de seus interiores, que seguem a mesma paleta de cores de cada um de seus habitantes, diferenciando o “campo de guerra” do lugar de paz e liberdade dos personagens. E essas foram as características que a Produção de Arte adotou como linguagem principal. Todos os objetos foram garimpados um por um, e são uma mistura de itens de antiquários e brechós com artigos kitsch e de lojas modernas, resguardando o cuidado de não transformarem os ambientes em cenários de época. “Os cenários são como pequenos relicários, remetendo a muita vivência e lembranças, e com misturas e cores contrastando com o cinza e o vazio da cidade cenográfica, onde habitam os personagens. Assim representamos o complexo universo interior de cada um, cheios de segredos e mistérios, alegrias e tristezas, e, ao mesmo tempo, blindados por máscaras sociais”, revela a produtora de arte Carolina Pierazzo.
Carolina também detalha os elementos que diferenciam as casas – e o temperamento – das famílias de Turandot e Yolanda: “Turandot tem o vermelho como cor principal. É a cor da paixão, da intensidade, dos afetos, representante das duas filhas românticas e sonhadoras. As linhas da arquitetura da casa e do mobiliário são curvas como as linhas femininas. É uma casa viva, que tem sempre comida no fogão e um café fresco servido na mesa. Já na casa de Yolanda as linhas são retas. É um ambiente mais sóbrio, menos organizado. A paleta em tons de azul contrasta com o tom amadeirado dos mais de 40 porta-retratos antigos de família que preenchem uma parede inteira da sala, quase se transformando em um papel de parede texturizado. O acúmulo, ali, é memória”.
O trabalho das equipes de Arte e Cenografia foi complementado pelo de outras duas áreas: Efeitos Especiais e Efeitos Visuais. Os primeiros planejaram diferentes efeitos físicos para a cidade, como esguichos de água nos bueiros, sacadas móveis capazes de serem derrubadas em cena e a simulação de curto-circuitos em postes. E também um grande desafio: uma reprodução em maquete da rua Tudor Afogado e sua vala, com sete metros de comprimento, feita para facilitar alguns takes de câmera. “A série baseia-se muito na complexidade dos personagens e da relação entre eles. E isso, no desenrolar da história, cria situações em que a cidade literalmente colapsa. E nós preparamos toda a base desse colapso”, conta Renato Lopes, responsável pela área.
Já o time de Efeitos Visuais, comandado por Léo Faria, reproduziu graficamente, em 3D, todo o exterior das casas e estabelecimentos da cidade cenográfica. O trabalho ajudou a criar o efeito de gamificação que permite oferecer ao público pontos de vista diferentes dos tradicionais. Como se um joystick movimentasse as câmeras por todos os ângulos possíveis, transportando o público para dentro da cena. “Pensamos muito em tudo que poderíamos propor em termos de diferentes movimentos de câmera ao Paulo Silvestrini, que nos fez essa encomenda. Para as passagens de tempo, por exemplo, optamos por um enquadramento virtual estático, como uma foto”, revela Faria.
A explosão de cores de um universo monocromático
Dando vida a um universo cinza, os personagens. Os figurinos assinados por Cao Albuquerque têm, para cada um, uma cor diferente. Juntos na rua Tudor Afogado, eles são uma explosão multicolorida. Para Turandot e Yolanda as referências foram as divas dos anos 1950 e as grandes rivais do cinema clássico, como Bette Davis e Joan Crawford. “Elas se parecem no visual, mas passeiam por cores distintas. Uma nunca tem a cor da outra. Enquanto Turandot tem um bloco de cor vinho, Yolanda traz o azul marinho”, descreve o figurinista. Já o protagonista Roblou tem uma pegada mais nerd no visual, refletindo sua afinidade com os muitos livros que têm dentre os seus pertences. Suas roupas flertam com o estilo do personagem Harry Potter, sempre em tons azul-esverdeados.
Assim como o trio protagonista, cada um dos demais personagens tem sua cor predominante. A licença poética para fugir desse padrão é Norma. Por trabalhar em uma boate, único lugar da série onde todos se sentem à vontade para serem, livremente, o que quiserem, a personagem abusa de diferentes cores e adereços com um figurino que acompanha seu humor, seja dentro ou fora da Mona de Ekê. “Ela é Beyoncé, Cher, Tina Turner. Um mix de referências dos clipes musicais dos anos 1980 e 1990”, pontua Cao.
São mais de 35 perucas dentre os itens de caracterização. Grande parte delas pertencente a Norma. “Ela foi o nosso parque de diversões. Sempre que tivemos a oportunidade, mudamos a cor e o corte dos cabelos de Norma. Ela é uma mulher livre e isso transparece no seu visual”, conta Dayse Teixeira. A caracterizadora ainda aponta a grande surpresa da equipe: o personagem Cabello. Na trama, ele é dono de uma vasta cabeleira com fios na altura dos ombros. Mas não é peruca e, sim, o próprio cabelo de seu intérprete, Edgard Bustamante. Em determinado momento da história, Cabello têm os fios cortados por Celeste. “Pensamos que teríamos que simular a careca do personagem. Mas, quando soube do corte de cabelo, o Edgar topou na hora. O cabelo real dele é cortado em cena”, revela Dayse.
Entrevista com o autor Miguel Falabella
Ator, autor e diretor, Miguel Falabella tem mais de 45 anos de carreira. É conhecido por seus personagens icônicos, tanto no teatro quanto na televisão, como o irreverente Caco Antibes, de ‘Sai de baixo’ (1996). Já dirigiu mais de 40 espetáculos de teatro. Na TV, estreou na coautoria de sua primeira novela, ‘Salsa e Merengue’, em 1996. Comandou o programa ‘Vídeo Show’ de 1987 a 2001. A carreira na televisão ainda inclui a autoria de novelas e séries como ‘A lua me disse’ (2005), ‘Toma lá, dá cá’ (2005), ‘Negócio da China’ (2008), ‘Aquele beijo’ (2011) e ‘Pé na cova’ (2013). Seu trabalho mais recente na Globo foi ‘Brasil a bordo’, em 2017.
Como a história narrada por Eduardo Almeida na internet chegou até você e se transformou nesta série?
Eu não tenho Twitter, mas a Gloria Perez viu essa sequência e me mostrou. Nós conversamos muito e ela foi muito importante no meu processo de escrita. Tive dela uma mão segura, carinhosa e afetuosa que foi fundamental. Essa história chegou para mim exatamente no momento em que o país estava mais polarizado e com o ódio muito cultivado. Então eu liguei as duas coisas e fiz uma série que tem muito ódio e o rancor. Para essa narrativa, parti de uma notícia que li de que 75% dos jovens de hoje não tem qualquer esperança no país. Da história principal do Eduardo, transformei a vizinha em avó. As duas senhoras do conflito são as avós materna e paterna do narrador.
Você criou um universo em torno da história do Eduardo. Como você chegou a essas ideias?
Eu gosto de fazer a comédia da tolerância, onde todos são bem-vindos, todos são aceitos. Para mim foi muito fácil criar personagens que ingressassem nesse universo que já existia, que era o da rivalidade e do ódio entre as duas mulheres. Eu comecei a pensar na história delas. Elas teriam filhos? Como seriam esses filhos? E assim começaram a nascer os personagens. E obviamente a vida de cada um desses personagens ia me trazendo novos personagens.
O que ‘Eu, a Vó e a Boi’ representa na sua carreira?
Talvez, de tudo que eu tenha escrito – e eu tenho muito orgulho das coisas que já fiz –, esse seja o meu trabalho mais arrojado, mais contemporâneo. E também o mais doido, mais fora da caixinha.
Como foi ter o Paulo Silvestrini assinando a direção da série?
O Paulo Silvestrini foi um encontro genial. Ele conceitua porque sabe o que quer fazer, e faz. Ele me escolheu, decidiu fazer pela primeira vez um trabalho meu e isso me deixa muito honrado.
O que o público verá em ‘Eu, a Vó e a Boi’?
Embora seja uma série de humor, com personagens muito contemporâneos e inusitados, ela também coloca o dedo na ferida. Hoje temos um país sentido, dividido. O discurso é sempre da truculência. E isso é o que as duas senhoras, a avó e a Boi, fazem nessa história. Elas não argumentam, elas agem uma contra a outra. São situações engraçadas, mas por trás desse humor as coisas são ditas.
Entrevista com o diretor Paulo Silvestrini
Paulo Silvestrini tem mais de 20 anos de carreira na Globo. Em 1997, comandou ‘Malhação’ e, de 1999 a 2002, esteve à frente da direção do seriado ‘Sandy e Júnior’. Em sua trajetória, constam trabalhos como diretor das novelas ‘Torre de Babel’ (1998), ‘Da Cor do Pecado’ (2004), ‘A Favorita’ (2008), ‘Avenida Brasil’ (2012), ‘Joia Rara’ (2013), ‘O Rebu’ (2014) e ‘A Regra do Jogo’ (2015). Em 2017, assinou a direção artística de ‘Malhação: Viva a diferença’, que ganhou o prêmio Emmy Internacional Kids de melhor série (2019).
Como foi trabalhar pela primeira vez com um texto de Miguel Falabella?
Eu nunca tinha frequentado o universo do Miguel Falabella. Quando eu li o texto de ‘Eu, a vó e a Boi’ pela primeira vez, tive uma percepção muito atraente das possibilidades que o projeto oferecia. Eu achei muito original, tanto na proposta de realização quanto no conteúdo. Ainda que eu fosse capaz de perceber o DNA que o Miguel tem em todos os trabalhos dele, eu também enxerguei coisas novas com as quais ele queria entrar em contato. É uma série de entretenimento. Mas a primeira coisa que me chamou a atenção foi que, para muito além de uma comédia, o que o Miguel descreveu foi uma crônica inteligente, como tudo que ele escreve, e ácida a respeito do comportamento humano contemporâneo. E tem um tanto de fabular. Ele escreveu uma história não-realista dentro de um ambiente não-realista, mas não desvinculada das questões que nos são caras.
Como você colocou a sua assinatura neste trabalho?
Os personagens são todos alucinados, as relações são alucinadas. São fatias de emoção. Eles reagem aos estímulos das situações propostas. É como se fosse a toca do coelho da Alice, em que a gente mergulha e vai viver esse universo paralelo. Para passar essa sensação para o público eu queria sugerir flertar com a linguagem do gamer. Temos um protagonista que quebra a quarta parede e fala com o público. Às vezes ele narra com distanciamento, às vezes narra contando um flashback, às vezes narra no momento presente, afetado pelo que está acontecendo, com um pequeno olhar para o público. Eu comecei a enxergar o público como uma figura participante e invisível do nosso universo. É como se eu desse um joystick e ele criasse um avatar invisível dele para acompanhar a história.
Por que construir uma cidade cenográfica monocromática para a série?
O universo onde os personagens vivem é um universo desprovido de possibilidades. Por isso a cidade cenográfica é como um presídio. Ela é toda cinza, de concreto e grade, não tem uma cor. A única cor são os personagens. Essa foi uma ideia conjunta minha e do Miguel. É um universo não-realista e eu queria que tivesse algo de teatral no tom, nas interpretações. Então tudo tem um tom acima: o figurino, a cor, a interpretação. Eu achava que a cidade cenográfica criaria um ambiente teatral. Uma vez que o ambiente é cenográfico você se distancia da realidade imediatamente. Como o Tim Burton fazia quando criava um universo meio doido. É feito para que tudo seja verdade ali, porque em outro lugar não seria.
Como é trabalhar em uma série feita para o streaming?
Há 22 anos eu dirigi ‘Malhação’, depois ‘Sandy e Junior’ por quatro anos e meio. Eu sempre quis trabalhar com o jovem, é o que eu gosto, onde eu me reconheço e me sinto capaz de acessar a ideia por trás do projeto. Esse projeto não é destinado ao jovem, como é a ‘Malhação’, mas é um projeto que pode ser assistido como entretenimento por jovens porque estará num ambiente frequentado por eles, que é o da internet. O nosso protagonista tem 18 anos, está tentando entrar na vida adulta apesar de toda adversidade. O Miguel olhou uma pesquisa que dizia que 75% dos jovens do Brasil não têm qualquer esperança no Brasil. É curioso. Então não deixa de ser instigante para um jovem acompanhar o desdobramento de uma vida, se não parecida, pelo menos próxima a dele. Com uma reflexão crítica e ácida do país e das questões em torno dele.
Como você gostaria que as pessoas enxergassem essa série?
Como uma crônica inteligência, ácida e contemporânea capaz de entreter, emocionar, encantar e divertir.
Perfil dos personagens
Roblou (Daniel Rangel) – O narrador da história, o ferido na guerra que suas duas avós promovem sem razão ou motivo aparente. Filho mais velho de Montgomery (Marco Luque) e Norma (Danielle Winits), recebeu esse nome porque sua mãe quis homenagear seu ídolo de adolescência, o ator Rob Lowie. É um rapaz comum, mas com um olhar muito atento e curioso sobre o mundo.
Turandot (Arlete Salles) – Avó materna de Roblou (Daniel Rangel). Viúva e mãe de Norma (Danielle Winits) e Celeste (Giovana Zotti), vive para odiar sua vizinha Yolanda (Vera Holtz), a quem apelidou de “Boi”. É uma mulher dura com todos a sua volta, ainda que seu grande ódio viva na casa em frente. Mora com as filhas e o neto Roblou (Daniel Rangel), e esbraveja para quem quiser ouvir seu desgosto com o fato de sua filha Norma ter sido casada com Montgomery (Marco Luque), filho da Boi.
Yolanda, a Boi (Vera Holtz) – Avó paterna de Roblou (Daniel Rangel). Mãe de Montgomery (Marco Luque) e Marlon (Magno Bandarz), é dura e implacável em seus julgamentos, condenando o mundo exterior, mas aceitando todo e qualquer absurdo que venha de um dos seus. Acolheu o neto mais novo, Matdilou (Matheus Braga), que vive com ela e com Marlon. Sabe que seus dois filhos não deram em nada, mas não os julga, afinal, não tiveram sorte. Para ela, Montgomery teve a vida arruinada quando se casou com Norma (Danielle Winits), filha de Turandot (Arlete Salles), a quem classifica como uma garota perturbada e esquisita como a mãe.
Norma (Danielle Winits) – Filha de Turandot (Arlete Salles), trabalha como hostess na boate Mona de Ekê. Sensível, transtornada e viciada em remédios, é o objeto da paixão da policial Seu Rocha (Alessandra Maestrini), a quem não corresponde o interesse, mas vê como uma grande amiga. Foi abandonada pelo ex-marido Montgomery (Marco Luque) quando os filhos Roblou (Daniel Rangel) e Matdilou (Matheus Braga) ainda eram pequenos, por isso é como uma boneca machucada, de quem Roblou, como filho mais velho, cuida com carinho.
Celeste Aída (Giovana Zotti) – A filha mais velha de Turandot (Arlete Salles) sempre foi uma menina problemática. Tem tiques nervosos e passa os dias apertando botões em seu emprego de ascensorista. Se apaixonou muito nova por Josimar Cabello (Edgar Bustamante) e, mesmo sendo enrolada por ele há 25 anos, faz de tudo para finalmente se casar.
Montgomery (Marco Luque) – Filho da Boi (Vera Holtz), nunca teve um bom casamento com Norma (Danielle Winits). Quando seus filhos tinham oito e seis anos, fugiu de casa com o caminhão que havia comprado com Norma para fazer um food truck. Começou um novo relacionamento com uma venezuelana, sua nova esposa, com quem passou a vender arepas. Displicente com suas responsabilidades, tem tão pouco tato para lidar com os filhos quanto para administrar as contas do novo negócio.
Marlon (Magno Bandarz) – Irmão mais novo de Montgomery (Marco Luque), mora com a mãe, a Boi (Vera Holtz), e com o sobrinho Matdilou (Matheus Braga). É o ídolo do sobrinho e os dois se exibem nas redes sociais sem pudor. Marlon namora Belize Bangalow (Eliana Rocha), uma juíza aposentada de 75 anos que o sustenta.
Matdilou (Matheus Braga) – Bonito, malhado e sarado, o filho mais novo de Montgomery (Marco Luque) e Norma (Danielle Winits) mora com a avó paterna e vive mergulhado na lagoa narcísica do mundo das redes sociais. Já não olha mais para as pessoas, só para o seu celular. O único com quem ainda mantém um diálogo mais elaborado é o tio Marlon (Magno Bandarz), em quem muito se espelha. Tem um vlog onde divulga entrevistas aleatórias e supostamente profundas, chamado “A vida interessante das pessoas”.
Milagros (Paula Cohen) – Venezuelana, é a nova esposa de Montgomery (Marco Luque), cujo relacionamento começou quando ele deixou o Brasil. É muito mais dedicada ao novo empreendimento do marido do que ele, mas aceita bem a situação e prepara as arepas com muito entusiasmo.
Ardósia Rocha (Alessandra Maestrini) – Seu Rocha, como é chamada por todos, é a policial da área e atende às demandas de Turandot (Arlete Salles) e Yolanda (Vera Holtz) quando a guerra entre as duas se acirra. É perdidamente apaixonada por Norma (Danielle Winits), a quem é muito dedicada, mas não é correspondida. É uma boa pessoa e excelente policial.
Orlando (Otávio Augusto) – Dono de um brechó, é muito reservado sobre sua vida pessoal. Tem grande tino acumulador. Por nunca ter sido visto vendendo nenhum dos muitos objetos que armazena no estabelecimento, levanta olhares de suspeita por parte dos vizinhos.
Josimar Cabello (Edgar Bustamante) – O eterno noivo de Celeste Aída (Giovana Zotti) é proprietário da Cabello Lanches, o principal ponto de encontro da região. O negócio já conheceu tempos melhores, mas Cabello segue firme no timão de seu barco, que anda fazendo água. Mesmo sendo pressionado há 25 anos pela noiva para se casar, faz de tudo para driblar o matrimônio.
Demimur (Valentina Bulc) – A sobrinha de Cabello (Edgar Bustamante) é uma garota adorável, trabalhadora, entusiasta, cheia de ideias e sonhos. Na flor de seus dezoito anos, vive com Roblou (Daniel Rangel) uma intensa história de amor, prejudicada pelo entorno familiar, principalmente pela guerra entre as duas avós de Roblou.
Dimundo (Alexandre Barbalho) – Funcionário da Cabello Lanches. Entreouve tudo que acontece na lanchonete e, bisbilhoteiro, acaba opinando além da conta nas conversas do chefe.
Belize Bangalow (Eliana Rocha) – É juíza aposentada e presidente de um clube de Sugar Mommies – grupo de mulheres que optam por só se relacionarem com homens bem mais novos que elas. Para Belize, quem dita sua idade é ela mesma e não a data de seu registro de nascimento. Namora com Marlon (Magno Bandarz) e, por livre vontade, sustenta financeiramente o rapaz.
Mary Tyler (Stella Miranda) – Amiga de Belize (Eliana Rocha), aposentada e rica, é apresentada por ela a Matdilou (Matheus Braga), com quem começa a namorar.
Rondha (Josie Antello) – Filha de Mary Tyler (Stella Miranda), não aceita que a mãe queira viver e se vestir como uma jovem. Faz de tudo para trazê-la de volta à realidade da terceira idade.
Bruque (Bela Piero) – Jovem e inocente, se vê no meio de uma disputa emocional entre a mãe, Rondha (Josie Antello), e a avó, Mary Tyler (Stella Miranda). Não entende muito bem a intensidade do conflito entre as duas e, muitas vezes, acaba funcionando como uma marionete afetiva.
Rosalvo Lebrão (Cleto Bacic) – Elegante, maquiado e pernóstico, é professor de dança de Demimur (Valentina Bulc). É rigoroso e faz de tudo para garantir que nada atrapalhe a carreira promissora da aluna.
Sapore (Adriano Tunes) – Amiga de Norma (Danielle Winits), trabalha como dançarina da boate Mona de Ekê. Sempre bem vestida, simpática e muito alto astral, chama a atenção de todos quando descobrem que, na verdade, é um homem.
Sobre o Globoplay
O Globoplay é a maior plataforma brasileira de streaming com cerca de 22 milhões de usuários circulando diariamente. O serviço reúne originais, filmes e séries internacionais renomadas, dentre elas produções exclusivas, que só serão exibidas online. O Globoplay também conta com produções dos canais Globosat e toda a programação da TV Globo, permitindo que o assinante possa acessar a qualquer momento e de onde estiver o que está no ar, o que já foi ao ar e o que ainda será exibido.